Terra de Vera Cruz, de Eliardo França, traduz o momento inicial do encontro do europeu com o selvagem americano. Não há aí o aparecimento dos outros componentes que vieram mais tarde caracterizar a sociedade multinacional do Brasil. Eliardo, com traços marcantes, privilegia essa relação que começa desenvolver-se fraterna e amistosa entre o português e o tupinambá, mas que depois se torna violenta e cruel.
Artista: Eliardo França
Duração: 07/2017 – 06/2018
Terra de Vera Cruz, de Eliardo França, traduz o momento inicial do encontro do europeu com o selvagem americano. Não há aí o aparecimento dos outros componentes que vieram mais tarde caracterizar a sociedade multinacional do Brasil. Eliardo, com traços marcantes, privilegia essa relação que começa desenvolver-se fraterna e amistosa entre o português e o tupinambá, mas que depois se torna violenta e cruel. Foi precisamente no Brasil quinhentista que nasceu a visão construída pelos europeus sobre o índio americano, ora bom, precursor do bom selvagem de Rousseau; ora antropófago, motivador do aparecimento da ala radical do Modernismo brasileiro capitaneada por Oswald de Andrade. Portanto, é, no século XVI, estimulado pelas narrativas de Pedro Vaz de Caminha, de Américo Vespúcio, de Hans Staden, de Jean de Léry e André Thevet, que Eliardo França foi buscar inspiração para pensar o seu país, da mesma maneira que o relato sobre essa terra de selvagens já dera ensejo a que Michel de Montaigne escrevesse sua reflexão ensaísta a respeito da condição humana dos canibais.
Um aspecto importante que se deve ressaltar na pintura de Eliardo é como suas pinceladas narram a nossa história sem didatismo, exigindo de nós um olhar cúmplice em que o espírito crítico marca para sempre na retina as cenas descritas. Cada tela exprime individualmente, em traços rápidos, um complexo universo humano de cobiça, violência e fé, em que o mundo animal e vegetal são partes integrantes. Trata-se de uma pintura para ver, mas que também nos convida a pensar. Reside ali o princípio seminal do Brasil com suas contradições culturais, políticas, religiosas e econômicas. É uma obra que não nos deixa indiferentes, como a pintura expressionista ao exagerar propositalmente as cenas dramáticas. Igualmente como Eliardo trabalha com as formas e os volumes, recriados de maneira exagerada, obriga-nos a recordar a denúncia da colonização ibérica que Portinari e os muralistas mexicanos retratam. Engana-se quem pensa que se vai entendiar ao contemplar as telas de Eliardo França com a crítica inerente à sua produção de artista. Além do mais, sua pintura enseja uma bela festa para um olhar atento e amoroso das coisas do Brasil. Ao captar, como se estivesse de posse de uma grande-angular, o encontro – numa terra sem fé, sem lei, sem rei – entre o adventício e o nativo. Eliardo França resgata o compromisso da verdadeira arte com sua função social.
Paulo Roberto Pereira