MALOGRADO

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Laura Assis

Em vão queimei meus pés na areia deste deserto
A troco de absolutamente nada, porque tudo era incerto
Em vão deixei queimar no cinzeiro cigarros que não fumei
E hoje já não enxergo as pegadas dos passos que eu dei

Tantos gramas de açúcar em dietas desperdiçados
Os passos largos no entorno dos parques, apressados
Os chocolates aos quais dolorosamente disse não
Até as noites bem dormidas das quais não abri mão

Escrevi um livro, é verdade, cheio de palavras amorosas, gentis
E quando olho para trás, relembro as dores cruéis, vis
Mas tudo isto só mostra ao mundo a infrutuosa vida que tive
Sinto-me agradecido, pois do álcool jamais me abstive

Sim, do álcool tirei as melhores conclusões, concussões
Apesar de todos os dramas, delírios e lamentações
Apesar dos pés queimados na travessia desta areia quente
Com uma taça na mão é que eu sempre me sentia gente

Era o meu ópio, meu divertimento, minha distração anestésica
Cuja ausência me tomava com a luz do dia numa risada maléfica
Que me transportava a um novo dia com dores de cabeça
Repetindo seguidamente: “és um fracasso, não se esqueça”

Crédito da imagem: Mira Pavlakovic


Como citar esse texto: ASSIS, Laura (2020). “Malogrado”. Panteão: Memorial da República Presidente Itamar Franco. [online]. Acesso em: [dia-mês-ano da consulta], n.p. Disponível em: [link do post]


Laura Assis é formada em Letras (UFJF). Em 2017, publicou seu primeiro livro: “Galáxia Particular – devaneios sobre amores raptados”.

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