‘Não compreendo um livro sobre uma figura pública que tenha de ser submetido ao crivo dessa figura’, diz Jotabê Medeiros | 5ª Semana Nacional de Arquivos

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Jotabê Medeiros não conseguiu entrevistar Belchior para escrever “Apenas um rapaz latino-americano”. Não houve tempo. O músico morreu na semana em que o jornalista tentou contato, após ter descoberto seu paradeiro na gaúcha Santa Cruz do Sul. Jotabê também não entrevistou Raul Seixas para seu “Não diga que a canção está perdida”. O livro, finalista do Jabuti em 2020, chegou às prateleiras três décadas após a morte do Maluco Beleza. Jotabê também não entrevistou Roberto Carlos para o recente “Por isso essa voz tamanha”. Mas já havia conversado diferentes vezes ao longo de sua carreira como repórter de cultura e crítico musical.
Autor das três elogiadas biografias, todas elas publicadas pela editora Todavia, Jotabê Medeiros recorreu a arquivos e personagens que testemunharam as histórias. Sobre suas investigações, seus processos e os muitos documentos com que lidou, ele fala no bate-papo “Belchior, Raul e Roberto Carlos: Arquivos, biografias e cultura”, que acontece na próxima quinta, 10, às 19h, no canal do YouTube do Memorial e dentro da programação da 5ª Semana Nacional de Arquivos.
Em entrevista para o Panteão, o jornalista com passagens pela CNT/Gazeta, Veja São Paulo, Folha de S. Paulo e Estadão, fala sobre jornalismo, literatura e a tênue linha que separa o direito à informação e o direito de um biografado.


As pesquisas para as biografias de Belchior, Raul e Roberto Carlos se assemelham de alguma forma? Recorreu a arquivos semelhantes?
Foram processos distintos, embora fundamentados por procedimentos jornalísticos: fontes primárias (entrevistas e depoimentos) e secundárias (arquivos de periódicos, livros, documentos de arquivos públicos e particulares). O que as torna semelhantes é que são todas biografias de músicos, então a preocupação fundamental foi ouvir a produção musical de cada um atentamente e relacionar com a vida e os fatos da biografia.

Biografias escritas por Jotabê Medeiros são tema de bate-papo.

Para escrever esses três livros você não fez entrevistas com os artistas, mas recorreu a material já produzido, inclusive por você mesmo como repórter de cultura. Essa falta de contato com o biografado no processo de apuração e escrita dificulta o processo? Também confere maior autonomia para contar a história?
Não fiz entrevistas com o fim exclusivo de publicar uma biografia, mas tive encontros anteriores com dois biografados (Belchior e Roberto Carlos). Creio que o fato de eu escrever primordialmente biografias que não passem pela autorização prévia do perfilado torna essa literatura um tanto diferenciada. Não consigo compreender um livro sobre uma figura pública que tenha de ser submetido ao crivo dessa figura – criam-se interdições e versões oficiais que podem falsear a História.

“Minha literatura tem um aspecto um tanto artesanal (pesquiso, entrevisto e escrevo sozinho, não uso equipes de auxiliares), e um confronto judicial (com Roberto Carlos) seria muito danoso para mim. Mas acredito que o trabalho honesto, concentrado, profissional e independente não pode recuar por medo ou insegurança. Havia uma grande história esperando para ser contada.”

Na biografia que acaba de lançar sobre Roberto Carlos você lida com um personagem muito conhecido pelo brasileiro, fundamental na história da música nacional, mas, ao mesmo tempo, bastante discreto nas últimas décadas. Roberto, inclusive, já se comportou contrário a uma biografia anterior. Como lidou com isso? Houve um temor seu durante o processo de que seu livro o desagradasse? Havia em você uma pressão por desbravar pontos menos conhecidos da carreira dele?
Sim, tive e ainda tenho grande receio. Minha literatura tem um aspecto um tanto artesanal (pesquiso, entrevisto e escrevo sozinho, não uso equipes de auxiliares), e um confronto judicial seria muito danoso para mim. Mas acredito que o trabalho honesto, concentrado, profissional e independente não pode recuar por medo ou insegurança. Havia uma grande história esperando para ser contada. Outro aspecto é que o livro buscou equilibrar o direito à informação com os direitos do biografado – o respeito a todas as suas prerrogativas de cidadão.


Confira a programação do Memorial para a 5ª Semana Nacional de Arquivos

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