O cinema, o pensamento decolonial e uma série popular

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Assim construímos a exposição “Tomar da carne verbo”: como narrativas cinematográficas representam a decolonialidade e amplificam debates urgentes

O pensamento decolonial rompe com as barreiras impostas pelo colonialismo. E o colonialismo, por sua vez, baseia-se na negação dos saberes produzidos pelos povos subalternizados. Em contrapartida, a decolonialidade se faz como convite à desconstrução de metanarrativas sobre a modernização e a racionalidade, numa intensa procura por restaurar as vozes e as experiências fora dos centros.

O conhecimento histórico que obtemos nas escolas foi/é, na maioria das vezes, transmitido nos princípios epistemológicos do colonizador branco, masculino, cristão e heteronormativo europeu. Essa é a história oficial, que silencia – quando não apaga – os conhecimentos e costumes dos povos indígenas, afro-brasileiros, quilombolas, ciganos, camponeses, ribeirinhos, e muitos outros. Assim, práticas preconceituosas e discriminatórias, olhares enviesados – quando não cruéis e criminosos – vão sendo transmitidos de geração a geração. E o cinema pode ser um aliado para isso ou contra isso.

Série “Cidade invisível” dividiu opiniões ao desconsiderar multiplicidade dos povos indígenas e ao alterar lendas folclóricas. (Foto: Divulgação)

Ponte para o outro

Considerando que o cinema, como as artes em geral, é uma plataforma para o entendimento do “outro“, para o exercício de um olhar que nos leva ao “outro”, compreendemos a potência das narrativas visuais para os pensamentos de alteridade. São muitos os exemplos de sucesso e de equívoco. A série “Cidade Invisível”, da plataforma de streaming Netflix, por exemplo, desperta diferentes questionamentos.

A produção brasileira tem a proposta de retratar crenças dos povos originários nos tempos atuais por meio de um suspense policial ambientado no Rio de Janeiro. O seriado obteve grande repercussão quando lançado, dividindo opiniões, já que não conta com atores e nem produtores nativos mesmo investindo numa narrativa indígena.

O enredo, ainda, apresenta equívocos ao retratar algumas figuras folclóricas, como a Iara, o Curupira e o Boto Cor-de-Rosa. Além de distorcer as crenças, a série transmite uma visão estereotipada dos povos indígenas, apagando suas multiplicidades e singularidades.

O cinema abre portas para o conhecimento de diversas realidades, auxilia na construção do imaginário coletivo. O cinema pode se aproximar do pensamento decolonial e ser inclusivo e diverso.

“Vidas secas”, de 1963, retrata sertão nordestino explorado na literatura de Graciliano Ramos

A exposição e novas dicas

Na exposição virtual e imersiva “Tomar da carne verbo”, que o Memorial inaugura no próximo dia 8, elencamos uma série de dicas para compreender o pensamento decolonial. E aqui sugerimos mais algumas obras cinematográficas que podem contribuir para o debate:

“Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, drama, 1h43m, 1963

O filme parte da obra de Graciliano Ramos e mostra a saga de uma família retirante, pressionada pela seca no sertão brasileiro. Fabiano, Sinhá Vitória, o filho mais velho e o mais novo, além da cachorra Baleia, atravessam o sertão tentando sobreviver.
Onde assistir: Telecine e Globopay

“Capitães da Areia”, de Cecília Amado, drama/aventura, 1h36m, 2011

Baseado no livro de Jorge Amado, conta a história de menores abandonados e suas dificuldades para viver nas ruas da capital baiana, Salvador, nos anos de 1930. Conhecidos como “capitães da areia”, os jovens são liderados por Pedro Bala, que pratica crimes pelas ruas.
Onde assistir: YouTube

“Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, drama, 2h10m, 2002

Buscapé é um jovem pobre e negro que cresce na Cidade de Deus, favela carioca conhecida por ser um dos locais mais violentos da cidade. Amedrontado com a possibilidade de se tornar um bandido, ele busca por outro destino atuando como fotógrafo. É através de seu olhar que vemos o dia-a-dia da favela.
Onde assistir: Globoplay

“Favela Gay”, de Rodrigo Felha, documentário, 1h12m, 2013

Homofobia, preconceito, trabalho e aceitação da familia são temas relatados a partir da perspectiva de gays e lésbicas das favelas cariocas, que apresentam suas vidas e seus cotidianos nas comunidades.
Onde assistir: AppleTV

“Lixo Extraordinário”, de Lucy Walker, documentário, 1h39m, 2010

Filmado ao longo de quase três anos, o filme acompanha a visita do artista plástico Vik Muniz a um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Lá ele fotografa um grupo de catadores de materiais recicláveis para, depois, criar suas obras.
Onde assistir: Globoplay, Netflix, Telecine

Texto produzido por Luana Dias, bolsista de Treinamento Profissional do Memorial da República Presidente Itamar Franco sob supervisão de Mauro Gabriel Morais, do setor de Educação e Cultura.

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