Referências poéticas expostas

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Autores de diferentes origens, da poesia à prosa, compõem panorama literário que inspirou exposição e cujo diálogo com obras contemporâneas indica outras chaves de leitura

Palavras, versos, frases, estrofes, poemas e contos como cartas geográficas ou rotas de fuga. Referenciais poéticos para a construção da exposição “Tantas Trajetórias”, em cartaz no Memorial da República Presidente Itamar Franco, os textos que ganham a extensão de todo o espaço (grande parte fixado no chão) exprimem as subjetividades implícitas nas obras e na leitura de todo o conjunto. Textos que enriquecem a narrativa das trajetórias, das vivências, das memórias e das existências.

Pouco antes de acessar a exposição, um primeiro poema se apresenta no caminho, assinado por José Henrique da Cruz, o Mutum. “Um dia inteiro os homens passam/ e quando passam se esbarram/ e se perdem/ e quando param já perderam/ a condução”, dizem os versos registrados no livro póstumo “Manuscritos azuis”. É a passagem do tempo, em toda a sua trivialidade, que tomará grande parte dos textos selecionados. E mesmo a escolha das autorias confirma o enfoque.

Textos e subtextos de Juiz de Fora

Natural de Carangola, Mutum viveu em Juiz de Fora e integrou a cena da poesia local nos anos 1970/1980. Uma das mais vigorosas na história literária da cidade, essa geração foi a responsável por publicações de prestígio nacional como as revistas D’Lira e Abre Alas. Da contemporaneidade, outra autora, Laura Assis acaba de lançar seu segundo livro, “Parkour”, pelas Edições Macondo, também de Juiz de Fora. Integrante do Coletivo Capiranhas do Parahybuna, Laura é uma importante voz da poesia feita hoje em Juiz de Fora e no Brasil.

Vencedora da última edição do Prêmio Jabuti na categoria poesia, Maria Lúcia Alvim também é autora de uma das poesias expostas em “Tantas Trajetórias” e preserva relação com Juiz de Fora. A poeta que fez sua estreia em livro em 1959 vivia em uma casa de repouso da cidade quando o poeta Ricardo Domeneck a localizou viabilizando a publicação do premiado “Batendo o pasto”, em 2020, após um hiato de 30 anos sem lançar um título, e passadas quatro décadas de seu último inédito.

Três distintas gerações se conectam como referências de numa mesma proposta. E muitos outros autores se juntam nessa constelação, da poesia originalmente falada da jovem Laura Conceição ao existencialismo de Wisława Szymborska, poeta polonesa mais traduzida no exterior, passando pelos haicais de Paulo Leminski e pelo rap de Don L. Quais trajetos fazer? Todos, respondem os textos, indicando direções distintas e novas chaves de leitura para as obras visuais que os circundam.

Trajetórias tantas

Na porção final da exposição lemos “A uva e o vinho”, conto de Eduardo Galeano. Ao encontrar o texto o espectador pode passar viver o estranhamento causado pelo contraste entre o conteúdo do conto e a temática da galeria. A partir disso, o conto merece ser explorado e dissecado para obter uma clara compreensão de seu propósito dentro do contexto expositivo.

No curto conto, um homem dos vinhedos fala um segredo ao ouvido de Marcela antes de morrer: “A uva é feita de vinho”. Após ouvir o segredo, o autor então pensa: “se a uva é feita de vinho, então talvez nós sejamos as palavras que contam o que a gente é”. Assim, torna-se possível refletir que o homem é feito não apenas das palavras que contam o que ele é. É feito dos caminhos, trajetórias e experiências que o levaram ao agora. Os locais por onde passou e tudo que o viveu são tão (senão mais) essenciais para sua formação, quanto as palavras que o descrevem. As trajetórias, como sugere a exposição já em seu título, são muitas, são tantas.


Texto produzido por Vidal Pancera, bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Artística (Pibiart) na modalidade Mediação Artística, no Memorial da República Presidente Itamar Franco, sob supervisão e colaboração de Mauro Gabriel Morais, do setor de Cultura e Educação.

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