Edição de 1972 do famosos festival de MPB de Juiz de Fora, criado na gestão de Itamar Franco como prefeito, completa 50 anos envolto em preciosidades históricas

Há 50 anos acontecia, no palco do Cine-Theatro Central, o V Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora. Marco na história da música popular na cidade e no país, o evento reuniu artistas hoje consagrados na cultura brasileira, como Clara Nunes, Joyce, Alaíde Costa, João Nogueira, Lucinha Lins, Sá, Rodrix e Guarabyra, além dos convidados Gonzaguinha, Milton Nascimento e Paulinho da Viola.

A “Era dos Festivais” chega ao interior
Entre 1965 e 1985 foram muitos os concursos de canções, inéditas e autorais, que aconteceram nas principais capitais brasileiras. O formato de competições previa um corpo de jurados ou o voto popular e, em sua maioria, era transmitido pela televisão para todo o país. Para muitos artistas o festival representava a oportunidade de maior visibilidade por parte do público, das gravadoras e da crítica. Conhecido como a “Era dos Festivais”, o período foi marcado por uma série de lançamentos de talentos ainda hoje fundamentais na cultura nacional.
No interior de Minas Gerais, Juiz de Fora teve seu primeiro festival em 1968, criado pela administração de Itamar Franco, idealizado pelo secretário Mauro Durante e coordenado pela secretaria de Educação e Cultural, que tinha à frente o professor Murílio Hingel. A terceira edição foi um estrondoso sucesso, com a participação de artistas como Agnaldo Timóteo, Chico Ferreira e Antônio Adolfo. Em 1973 o festival chegou à sua derradeira edição. Antes disso, no entanto, a quinta edição, de 1972, fez história.

O pé no chão de Clara Nunes
Em setembro de 1972 subiu ao palco do Central uma mulher de cabelos tão fartos quanto o sorriso. Mineira de Caetanópolis, Clara Nunes defendia uma composição de um autor juiz-forano, Mamão, que viu sua “Tristeza pé no chão” ganhar reconhecimento e eco a partir daquela apresentação. Clara foi uma das mais aplaudidas da edição e a canção se tornou um sucesso país afora.
Criador de mais de 200 sambas e um dos fundadores do Bloco do Beco, tradicional bloco carnavalesco da cidade, Mamão tornou-se amplamente conhecido pela canção iniciada com o verso “Deu um aperto de saudade no meu tamborim”. Ao longo de mais de meio século, foram dezenas de regravações pelo país e fora dele. A gravadora Odeon, em parceria com a local TV Itacolomi, registrou em LP nove das músicas cantadas no V Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora.
O Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) – dedicado à pesquisa, preservação e promoção da Música Popular Brasileira -, disponibiliza em seu site o registro, com seus lados A e B, além de um texto do jornalista e produtor Julio Hungria, ressaltando a marcante edição cujo júri era composto pelo estudante de jornalismo Pedro Paulo Taucci, pelo produtor musical Célio Hauser, pelo professor de artes Edson Pavel Bastos, pela cantora lírica Maria d’Apparecida, pelo jornalista Tárik de Souza, pelo ator e produtor Ezequiel Neves e pelo cartunista e diretor de Pasquim Henfil. Entusiasmados com a qualidade das apresentações, o prestigiado júri tomou uma decisão sui-generis.

Um festival sem vencedores?
Enquanto algumas fontes apontam Clara Nunes como a grande vencedora do festival de 1972, o que justificaria a posição da música abrindo o LP que registra o evento e responderia ao entusiasmo do público com sua apresentação, o fato é que o V Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora inaugurou algo novo. A edição de 26 de setembro de 1972 da Revista Amiga, do Rio de Janeiro, registra que o júri decidiu que não haveria vencedores nem perdedores, alegando que a “decisão abria as portas para que a mostra se transformasse numa grande feira de música, onde todos pudessem exibir seu trabalho livremente”.
Excluía-se, assim, a característica mais marcante dos festivais da época: a competitividade. Escolhia-se, assim, o caminho da festividade democrática, que se deu desde o início da edição. Contam os jornais da época que o primeiro dia do evento demorou a começar porque o Central encontrava-se vazio devido ao baixo número de pagantes da noite. Quando a coordenação do festival resolveu abrir as portas do teatro, a plateia se encheu e os shows começaram. Mais que competir, a disposição era a de celebrar.
Ao término da edição, o prêmio de 30 mil foi dividido igualmente entre as 30 músicas inscritas. Singular, o V Festival de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora marcou época, consagrou nomes, revelou outros, deixou saudades e, também, uma lição. Sem vencedores, foi gigante e impressiona mesmo meio século depois.

Texto produzido por Enrico Mancini, bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Artística (Pibiart) na modalidade Mediação Artística, no Memorial da República Presidente Itamar Franco, sob supervisão e colaboração de Mauro Gabriel Morais, do setor de Cultura e Educação.
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